domingo, 29 de novembro de 2009

As mulheres moçambicanas e o amor

Me parece que as mulheres moçambicanas estão desiludidas com o amor. Vamos aos três casos mais próximos Dona P, Dona R e Dona J que trabalham na limpeza das casas aqui do condomínio onde moro.
Dona P. tem 29 anos mas sua patroa diz que ela é apenas uma adolescente de 15 anos cujos sonhos já foram destroçados. Casou cedo, teve 2 filhos e, como a maioria das mulheres daqui, foi abandonada pelo marido que saiu e nunca nem olhou pra trás, deixando a mulher e os filhos a própria sorte. Após arrumar este emprego, sua vida começou a melhorar e hoje ela está dando conta de criar os filhos e seguir com sua vida. Alguns dias atrás, o ex-marido passou por ela de moto e vendo que ela estava bem vestida e com um aspecto feliz, parou e mandou subir na moto ... ela disse NÃO e ele ficou furioso. Fez bem ela!!!! Mas quando foi comentar o episódio disse algo muito triste. Disse que prefere ficar sozinha porque tem medo dos homens.... eles só querem se aproveitar das mulheres, fazer filhos nelas e depois abandoná-las.
Dona R. tem mais de 30 anos, está separada do primeiro marido e tem dois filhos. Estes dias não pude evitar de perceber a barriga saliente e quando perguntei a ela, ela sorriu sem graça e confirmou que estava grávida. Parece que é de um homem casado que vive na capital do país. Mais um moçambicano a ser criado sem pai. Quando perguntei a ela sobre o que ela estava planejando em relação a chegada do bebê, pude ver em seus olhos que o verbo "planejar" não faz nenhum sentido pra ela. Tentei ser mais específica questionando que se ela quiser continuar a trabalhar, alguém terá que cuidar do bebê. A resposta veio no tempo verbal mais usado pelos moçambicanos: "Há de haver alguém pra cuidar, Senhora".
No terceiro caso, Dona J. tem 6 filhos e o marido caiu na estrada, foi embora e deixou toda a responsabilidade em suas costas .... 6 filhos. Sem mais comentários.
Fiquei sabendo de um outro caso de uma colega de outro país africano que mora aqui na cidade. O marido escondeu os passaportes dela e dos filhos para que ela não consiga fugir dos maus tratos que ele impõe a ela.
Uma amiga missionária diz que bater nas esposas, apesar de ser contra a lei, é algo aceito pela sociedade em geral, especialmente nas classes menos favorecidas. Nas igrejas, o fim da violência contra as mulheres é um tema recorrente, mas a repercução do discurso na realidade das famílias ainda não é eficaz.
Creio que o Brasil esteja mais estruturado em relação a isto. Temos delegacias especiais para receber mulheres, casas de apoio, entre outros. Em Moçambique, ainda há um longo caminho a percorrer.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Os nomes e o calor moçambicanos

Os moçambicanos gostam de dar nomes aos seus filhos que lembram coisas do seu dia a dia, comemorações ou utensílios domésticos. Já conhecemos: Sr Alface, Sr Colher, Sr Felicidade, Sr Whisky, Sr Cadeado, Dona Pascoa, entre outros.
Mas o mais 'pitoresco' ficou por conta de uma família que conheci recentemente ... é um casal que ficou famoso por serem os primeiros moradores a ocupar as casas em um reassentamento que ocorre na cidade. Lá chegaram eles, o casal e os filhos na casa nova, tudo limpinho, novinho, em um dia de calor de mais de 40 graus. Após a cerimônia, foram para casa em busca de sombra, mas as árvores ainda estão pequenas e só tem a sombra do estendal para sementes, que na verdade deve ser um local ainda mais quente por causa da lona.
Quando cheguei lá, foram me apresentar esta família e perguntei o nome da esposa e me responderam: "Dona Assada". Olhando a mulher sentada no chão, naquele calor, embaixo da lona não pude deixar de pensar que era uma piada ... mas não, é a família dos Assados, Sr Assado e esposa. Só por Jesus!!!!

Falando em calor, estávamos tentando achar palavras pra descrever o calor que faz aqui em Tete. Insuportável, terrível, medonho, enlouquecedor ... são palavras que não são boas o bastante para descrever o que acontece aqui. Aí uma amiga me disse que uma conhecida dela disse que o calor estava ensurdecedor .... adorei!!!!!!!!!!!! adorei!!!!!!!!! Calor ensurdecedor !!!!
Não poderia haver uma palavra mais inapropriada que faz todo o sentido neste contexto.
Para provar o calor de Tete ... veja na foto a tempetura dentro do carro.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Visitando as escolas em Tete


Logo depois que cheguei em Tete, comecei a participar de alguns encontros do Fórum de Parceiros na qual foi criada uma Comissão de Ensino e Formação da Província. Em um destes encontros, decidiu-se que seria interessante fazer um cronograma de visitas a algumas instituições de ensino na cidade para conhecer a realidade em loco e sugerir possíveis intervenções da Comissão. Me ofereci a participar das visitas e lá fomos nós .... eu ao volante (perigo constante !!!! ainda mais com tração nas 4 rodas), a colega Adriane ao meu lado e o Sr Kambanizithe (funcionário da Direcção Provincial) dando os direcionamentos ..... nos aventurando pelos bairros de Tete.

Primeiro tive que entender como funciona o currículo moçambicano. A Educação Básica em Moçambique é composta por 7 classes organizadas em 2 graus. O 1º. Grau está divido em 2 ciclos, sendo o 1º Ciclo correspondente às 1ª e 2ª classes e o 2º. Ciclo correspondente às 3ª, 4ª e 5ª classes. O segundo grau corresponde as 6ª e 7ª classes. Por sua vez, o ensino secundário moçambicano compreende as 8ª., 9ª., 10ª., 11ª e 12ª classes.

Visitamos as seguintes instituições: Escola Industrial Dom Bosco, Escola Industrial de Tete, Escola Primária Completa Josina Machel, Escola Secundária de Tete, Escola Primária e Secundária Mateus Sansão Mutemba e Centro de Formação de Saúde. Em cada uma delas, vivenciamos realidades diversas. Conhecemos instituições com excelentes cursos e infra-estrutura; resultante de um gerenciamento eficiente dos amplos recursos vindos do exterior. Por outro lado, conhecemos instituições de ensino abandonadas a sua própria sorte, sem receber recursos do governo para pagar as despesas básicas de água, luz e papelaria há mais de 6 meses.

De tudo que presenciei, me chamou atenção uma turma de alfabetização de adultos que visitamos nas proximidades da Escola Mateus Sansão Mutemba. A ‘sala de aula’ era na verdade improvisada dentro de uma pequena igreja. Quando entramos vimos o quadro de giz no chão e os alunos sentados em pedras. O calor era insuportável (pelo menos pra nós, visitantes branquelas), mas ficamos empolgadas em conhecer aquelas mulheres que passavam suas tardes buscando a alfabetização, buscando o conhecimento.

A professora, uma moça jovem e bonita, nos explicou sobre o processo de alfabetização bilíngüe. Descobrimos que o trabalho que ela faz é voluntário, há apenas uma ajuda de custo por mês que seria de aproximadamente 50 reais. Por fim, quando perguntadas se gostariam de dizer algo, uma aluna ergueu a mão, na hora pensei que ela iria reivindicar melhores condições, mas ela apenas nos agradeceu e disse para fazermos o que fosse possível para que aquele programa de alfabetização continuasse a existir.

Pensei em todas as oportunidades de estudo que tive: as escolas particulares nas quais estudei, os caríssimos materiais que encapava antes do ínicio das aulas, a graduação, a especialização, o mestrado e o doutorado e, diante disto tudo que me foi propiciado, me senti pequena diante da grandeza daquele pedido.