quinta-feira, 14 de abril de 2011

AMÉRICO, O FAVORITO DO PATRÃO E DA PATROA

Meu marido tem a seguinte opinião: se não podemos ajudar a todos, devemos escolher um ou dois para tentarmos ajudar. Ao chegar em Tete, ele escolheu um menino chamado Américo para ser seu 'favorito'. Mesmo antes da minha mudança há dois anos, meu marido já falava sobre o menino e como ele ajudava seu avô cego a pedir esmolas pelas ruas da cidade. Em meu primeiro dia em Tete, fomos apresentados e, de fato, havia nele algo diferente das outras crianças ... uma tristeza camuflada, um potencial adormecido, um rosto de idoso em um corpo juvenil. 

Ao dirigir para a cidade para fazer compras e ter o carro cercado por dezenas de crianças, eu dizia que só o Américo devia cuidar do carro. Ele começou a perceber que tínhamos uma atenção especial para com ele. Nos chamava de patrão e patroa, mas eu acabei por dizer meu nome a ele. O fato é que meu nome ficou conhecido por todas as crianças da cidade que, quando me viam, começam a gritar: Chama o Américo que a Dona S. chegou. Quando o encontrava sozinho, fazia compras no mercado para ele e dizia que levasse para casa e pedisse para algum adulto preparar o alimento. Descobri que ele era órfão e morava apenas com o avô cego, que, posteriormente faleceu e o deixou sozinho no mundo. 

E foi nesta época que Américo chegou na porta da minha casa (sabe Deus como ele achou minha casa que é longe da cidade) pedindo ajuda. Liguei para o meu marido e conversamos sobre como ajudá-lo. Desconsiderando o sentimento e deixando a razão falar mais forte, dei alimento e dinheiro a ele e o levei de volta à cidade. Neste dia, me arrependi por ter dado a ele uma atenção especial e provavelmente ter criado a falsa esperança de que eu poderia resolver seus problemas.

Cheguei a conversar com uma tia do menino sobre a possibilidade dele morar na casa dela e ofereci um 'cesta básica' à família todos os meses por esta hospedagem. Entretanto, tempos depois, soube que o marido da tia negou esta proposta. Tentei ajudá-lo de outras formas, recuperando documentos, comprando roupas e sapatos. De fato, ele andava pela cidade com  todas as peças de roupas que possuía, provavelmente porque se as deixassem em algum lugar elas seriam roubadas. Em uma das lojas de roupas, me surpreendi com suas escolhas ... ao invés das camisetas super estilosas que eu mostrava a ele ... ele pediu uma camisa com botões e, ao invés do par de tênis da moda que eu também mostrava a ele ... ele pediu um par de sapatos pretos brilhantes e um par de meias brancas ... no final, ele ficou parecendo o Michael Jackson antes de se tornar branco.

Pensei em buscar um colégio interno e pagar por sua educação, mas ele não trouxe os documentos necessários para que eu pudesse tomar as providências. De qualquer forma, os amigos da rua são a sua única e real família e tirar isto dele seria tirar o galho no qual ele se agarrava para não ser levado pela correnteza.

Estes dias contei a ele que estava de mudança para Maputo e ele não respondeu nada. Fez cara de quem não estava entendendo o que eu dizia. Imagino o que vai ser do Américo no futuro. Para que minhas previsões sejam realistas, elas são, obrigatoriamente, pessimistas. Sem uma família, sem apoio, sem escola, sem lar ... mas o mundo é cheio de milagres e eu espero que um deles aconteça na vida do menino Américo.

3 comentários:

  1. Oi. Ele sempre te procura, S. Ele me aproximou na rua pedindo data da tua volta. Não vem mais... mas isto ele não entende... como não voltar? Beijo e saudades.

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  2. Eu conheci o Amério. Sabia como tratar o "patrão e a patroa". Que realmente um milagre de novas oportunidades a este meninho.

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  3. O meu "Americano" com outro nome, hoje e licenciado, tem mulher e dois filhos, trabalho como chefe da educacao num distrito. Foi vale a pena, mostrar a ele que e possivel ganhar uma vida. Ele fez tudo, pedi nas ruas, vendeu pequnas coisas, pedi para matricular e no fim - hoje e um homen da nova geracao em Mocambique.

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