sexta-feira, 21 de maio de 2010

CERCADA PELA POBREZA

Quando me perguntam sobre como é morar em um país em que o índice de pobreza é tão elevado, eu costumo dizer que "a gente acaba se acostumando". Em  Moçambique, não há aquela coisa do Brasil de bairros pobres e bairros ricos. Uma mansão pode estar exatamente ao lado de uma palhoça onde não há água encanada ou qualquer tipo de conforto. O bairro onde moro não é asfaltado, em tempos de chuva, criam-se piscinas nas ruas que só caminhonetes 4X4 conseguem ultrapassar. Não há supermercados em Tete, a população compra comida em barracas nas ruas e para os visitantes, como nós, há apenas lojinhas que cobram um preço exorbitante porque sabem que os 'brancos' estão acostumados com aqueles produtos e podem pagar mais por eles. O 'sacolão/peixaria' é um local onde se aglomeram mulheres com os produtos de suas machambas, umas vendem, outras cozinham para todas e outras dormem no chão. É uma mistura de cores, cheiros e pessoas que atordoa quem não está acostumado. Mas a grande verdade é que, quando se vê a pobreza de perto todos os dias, ela passa a fazer parte do cotidiano, ela passa a ser parte do cenário. Entretanto, as vezes, acontecem coisas que são como um tapa na cara, coisas que nos tiram o chão e fazem com que, pelo menos por algum tempo, lembremos que pobreza não é algo com que se acostume, pobreza é infelicidade. Vou relatar alguns tapas na cara que levei aqui.

A FILHA DA EMPREGADA DA VIZINHA
Ouvi a vizinha comentando que sua empregada estava faltando ao trabalho há uma semana porque sua filha estava doente. Na semana seguinte, encontrei com a Sra em frente a minha casa e perguntei como estava sua filha. Ela disse que ainda não tinha se recuperado. A menina tinha o pescoço duro e não conseguia pender o pescoço para frente. O médico havia dito que era uma doença que começava com M, mas ela não se lembrava muito bem do nome. Quando ela disse isto, senti que fiquei pálida, ela deve ter reparado. Insisti que ela lembrasse o nome da doença e depois de muito pensar ela disse o que eu achava que ia dizer: MENINGITE. Acho que de pálida, fiquei rosa, ela reparou. Perguntei se ela sabia o que era meningite, quais os medicamentos que o médico havia receitado ... ela disse que a menina havia tomado umas pílulas de alguma coisa (provavelmente paracetamol, que é o medicamento que geralmente se dá nos hospitais aqui). Disse a ela que meningite era uma doença muito séria e que ia conversar com a patroa dela para que ela prestasse auxílio a criança. Isto era uma quinta, viajei na sexta, voltei no domingo. A criança havia morrido no sábado. Quando me contaram senti meu rosto ferver, como quem leva um tapa na cara. Hoje, após duas semanas ela voltou ao trabalho. Foi dar meus pêsames a ela. Sua filha tem a mesma idade do meu filho. O pior é que ela acredita em feitiços, nem o consolo cristão de que sua filha agora é um anjo a consola pois não é nisto que ela acredita.

AS ROUPINHAS DAS FILHAS DA DONA KINEDI
Quando cheguei em Moçambique, comprei algumas capulanas e cortei em pedaços para forras as gavetas dos armários. Um dia, encontrei plásticos para comprar e decidi forrar novamente as gavetas. Acabei guardando todos estes recortes de capulanas pensando que um dia poderia ser útil para alguma coisa. Em uma das faxinas, Dona Kinedi abriu esta gaveta e perguntou para que serviriam aquelas capulas. Respondi que não sabia se utilizaria novamente aqueles recortes, que, se ela quisesse poderia levar. É claro que ela levou. Pensei que faria uma toalha ou forraria algum móvel, sei lá. Em um dos meus passeios de bicicleta, acabei passando perto da casa da Dona Kinedi. Ela saiu correndo pra me apresentar os sete filhos. Quando olhei para as crianças, fiquei paralisada. Todas elas vestiam roupas feitas dos recortes das capulanas que um dia forraram as gavetas do armário. Dava pra ver que eram costuras precárias, mas fiquei comovida com o vestidinho da filha menor que tinha até babadinhos. De novo, senti meu rosto ardendo. Mas um tapa na cara oferecido pela pobreza e pela realidade Moçambicana.

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